sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Casa Própria: um direito universal ou mais um produto no mercado?


A expansão econômica do Brasil nos últimos 8 anos, associada a um incrível crescimento do crédito imobiliário, aumentou a transferência de renda para as elites, talvez em um ritmo jamais visto, a despeito dos propósitos sociais, sinceros ou não. O m2 dos terrenos, historicamente nas mãos de uma pequena parcela da população, explodiu de preço ao mesmo tempo que os “custos de produção”, não associados ao aumento da massa salarial, também tiveram significativo aumento. Se por um lado temos muito a comemorar, como a redução do desemprego, o aumento da renda média do trabalhador, a incrível expansão da classe C, a redução da miséria, entre outros, por outro é lamentável constatar que um cidadão comum paga até 10 vezes mais por um imóvel – comparando com os preços de 8 anos atrás. A expansão econômica do Brasil nos últimos 8 anos, associada a um incrível crescimento do crédito imobiliário, aumentou a transferência de renda para as elites, talvez em um ritmo jamais visto, a despeito dos propósitos sociais, sinceros ou não. O m2 dos terrenos, historicamente nas mãos de uma pequena parcela da população, explodiu de preço ao mesmo tempo que os “custos de produção”, não associados ao aumento da massa salarial, também tiveram significativo aumento.


Mas que círculo vicioso é esse? Estamos fadados a viver entre a estagnação dos anos 90 e a explosão de preços da “era Lula”? Afinal de contas, se contabilizarmos a quantidade de horas trabalhadas, comparando um e outro momento, podemos dizer que o trabalhador se beneficiou deste período de crescimento? Ou será que essa “festa”, extremamente restrita, tem os assentos marcados e o povo não foi convidado? O que falta para o Brasil adotar um modelo que associe crescimento econômico com desenvolvimento social?

Pelo menos no setor imobiliário, talvez essa resposta dependa do governo abandonar de vez o modelo neo-liberal adotado nos anos 90 e assumir a questão da moradia como um direito universal.

Do jeito que está, o combate ao déficit habitacional deixou de ser meta das políticas habitacionais para se tornar gatilho para novas formas de crédito imobiliário, transformando a responsabilidade social do governo em responsabilidade individual do cidadão, em um processo que privilegia a acumulação financeira em detrimento à universalização da moradia.

“Este fenômeno, evidentemente, não é uma exclusividade brasileira. Reflete, na verdade, o movimento de financeirização do crédito imobiliário, dentro do qual a habitação figura, na maior parte das vezes, meramente como pretexto. A recente crise econômica, que teve seu epicentro no mercado de hipotecas norte-americano, é um exemplo do fenômeno. Em pouco tempo, ficou claro que a manipulação das hipotecas pouco tinha a ver com uma política habitacional agressiva, de caráter includente, como poderia parecer aos menos desavisados. Ligava-se, objetivamente, a um processo de acumulação de capital, que tinha no sistema de crédito a sua força propulsora”
São Paulo é a capital dos paradoxos, e também neste caso demonstra com maestria a dinâmica desse processo de financeirização do crédito imobiliário. Já é a 5ª maior cidade em população e será a 6ª mais rica do mundo em 2025, segundo a PricewaterhouseCoopers. A mesma agência de classificação, entretanto, aponta a capital paulista como a que tem um dos menores níveis de sustentabilidade em todo o planeta.

Moradia é um direito universal, não um produto de mercado.

A cidade tem cerca de 11 milhões de habitantes, dos quais quatro milhões vivem em cortiços, favelas ou loteamentos clandestinos, porque o crescimento não é acompanhado pela política habitacional. Esse fato aparentemente não “tira o sono” dos gestores: o prefeito Gilberto Kassab (DEM) reduziu de 120 mil para 85 mil as famílias que serão beneficiadas pelo programa de urbanização de favelas, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. Ele também cortou o número de famílias atendidas pelo programa de regularização fundiária (-23%) e de recuperação de cortiços (-25%). Aliás, no quesito “política habitacional” nenhuma meta foi revisada para “mais”, ao contrário.

No entanto a cidade de São Paulo vem batendo recordes atrás de recordes na construção de novas moradias, marcando claramente a distinção entre política habitacional com cunho social e o desenvolvimento do mercado com base na expansão do crédito imobiliário.

João Whitaker, arquiteto e urbanista, em uma entrevista de Abril/2009, alertou para as dificuldades que qualquer plano de política habitacional para a população de baixa renda, citando especificamente o Minha Casa Minha Vida, enfrentaria se não fossem resolvidos os gargalos estruturais da política habitacional no Brasil, em especial o acesso à terra urbanizada: “até hoje os municípios se eximiram de aplicar o Estatuto da Cidade, criado em 2001 para resolver os problemas fundiários e de ocupação de terras nas áreas urbanas. Desta forma, grande parte dos recursos destinados … pode ficar congelada ou, mais factível, forçará os mais pobres a reincidirem na busca por terrenos em regiões distantes do centro e sem infra-estrutura adequada…a tendência é de as construtoras buscarem primeiramente o consumidor de maior renda na venda de casas”.

O mais curioso desse processo é que essa expansão, que favorece a acumulação de renda e que não é inclusiva, se baseia essencialmente em recursos provenientes do próprio trabalhador, em especial o FGTS e a poupança. O primeiro, um depósito compulsório, tomado dos trabalhadores brasileiros e remunerado de forma extremamente precária e o segundo, a popular “aplicação financeira” dos pequenos investidores.

Seguindo uma lógica “capitalista selvagem”, quando o trabalhador empresta esse dinheiro ao governo, e este aos grandes “investidores”, recebe migalhas como compensação. Quando é o contrário, caso em que o mesmo trabalhador vai pegar esse dinheiro emprestado, tem que pagar juros exorbitantes.

E essas são as duas principais fontes do SFI, que “por suas características intrínsecas, é incapaz de operar um efeito redistributivo. Em outras palavras, o SFI, sem o apoio do crédito dirigido e da concessão de recursos por parte do Poder Público por meio da alocação do FGTS e do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), não se mostra capaz de combater o déficit habitacional, especialmente por conta da necessidade de responder aos investidores em primeiro lugar e não à demanda por moradia das famílias de menor renda. A qualificação do SFI como sistema apto a financiar a política habitacional é, neste sentido, um processo ideológico que visa, justamente, a operação do seu contrário – a captura do sistema de crédito subvencionado e a concentração dos recursos do sistema em detrimento dos grupos de menor poder aquisitivo”.

Guardadas algumas peculiaridades em cada caso, esse é o modelo americano que não deu certo, agravado por um quadro social dramático, em um país com forte demanda habitacional e graves problemas estruturais. Trilhar esse caminho pode significar abrir mão do desenvolvimento conquistado ao longo dos últimos anos, sobretudo em um ambiente econômico supostamente favorável às economias emergentes.

Em todo o planeta, o desenvolvimento econômico sustentável das nações foi precedido de garantias mínimas à população, como educação de qualidade, saneamento básico, saúde e moradia. O contrário é favorecer o capital especulativo (o foco migra do bem estar social para a remuneração do capital). É preciso romper esse ciclo e assumir a vontade de transformar o Brasil em uma grande potência mundial, e neste contexto entender que moradia não é meramente um produto de mercado, e sim uma necessidade básica e um direito universal.

Fonte: Fórum Imobiliário

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